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A audiodescrição tem como principal objectivo a inclusão de pessoas com deficiência visual nas várias manifestações artísticas e culturais.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

“As acessibilidades aos edifícios públicos vistas pelos olhos dos cegos”.

Caros Leitores.

Na passada Sexta Feira, dia 29 de Outubro de 2010, na biblioteca Raveiro da Silva em Braga, fui um dos oradores do Seminário “acessibilidade em edifícios públicos”, onde apresentei uma comunicação a que dei o nome “As acessibilidades aos edifícios públicos vistas pelos olhos dos cegos”.

Durante os cerca de 30 minutos em que usei da palavra, apresentei 28 medidas, com vista a contribuir para a eliminação de barreiras que obstaculizem o livre acesso dos deficientes visuais aos edifícios públicos, e a todos os serviços disponíveis em cada edifício.

Partilho convosco o texto integral desta comunicação.

Primeiramente quero felicitar a organização deste seminário, pela oportunidade e premência em abordar esta temática que mexe com o dia a dia das pessoas com deficiência.

Antes de entrar na minha intervenção propriamente dita, queria aproveitar a oportunidade para deixar o repto aos responsáveis da Câmara Municipal de Braga aqui presentes, para contemplarem o serviço de áudio descrição, nas sessões de cinema que hoje foram anunciadas para o Theatro Circo, pela Senhora vereadora com o pelouro da cultura.

Já se realizaram sessões com áudio descrição nos cinemas da Lusomundo, e devo dizer-vos que a experiência foi extremamente positiva porque nos permitiu ficar a conhecer muito melhor a história do filme.

Seria uma honra para a maior e principal sala de espectáculos desta cidade, contemplar um serviço destes.

Posto isto, quero dizer-vos que estou aqui com muito gosto, na minha qualidade de dirigente da delegação de Braga da Acapo, responsável entre outras coisas pelo pelouro da acessibilidade.

Sou um grande entusiasta de tudo o que sirva para promover a autonomia das pessoas cegas e amblíopes.

Cada vez mais, temos a necessidade de encontrar estratégias, que possibilitem a eliminação de barreiras que obstaculizem o livre acesso aos edifícios públicos, e bem assim a todos os serviços disponíveis em cada edifício.

Por isso, quero reflectir de uma forma pedagógica e construtiva sobre problemas e respectivas soluções que devem ser adoptadas, para auxiliar convenientemente uma pessoa cega que acaba de chegar a um edifício público, e que não tem nenhuma referência que a ajude a movimentar-se naquele espaço.

Os edifícios constituídos por dezenas de lojas e serviços, são os que exigem mais investimento e rigor na implementação de medidas que facilitem a orientação e locomoção das pessoas com deficiência visual.

Se considerarmos as especificidades por exemplo de um centro comercial ou de uma loja do cidadão, digo-vos que a primeira coisa que um deficiente visual necessita, é ter a noção do espaço, a forma como o edifício está organizado, para que ele possa ir percebendo a onde fica cada loja ou serviço.

Aqui uma solução passaria por criar maquetas em relevo.
A ideia é que a pessoa cega saiba que num determinado corredor temos a Loja A, a Loja B, a loja C e assim sucessivamente.

Nesta situação, basta sabermos em que loja estamos, e automaticamente sabemos quantas temos de percorrer para chegarmos ao local pretendido.

Uma outra ideia que eu defendo, passa por dar formação em técnicas de guia a seguranças e outros funcionários, que possam acompanhar as pessoas cegas por todo o edifício.

Convém no entanto deixar vincado que esta medida teria de ser encarada como um complemento, ou se quiserem uma solução de recurso.

O ideal é que a pessoa se possa movimentar com toda a independência.

O acompanhamento só seria útil, quando não fosse realmente possível implementar mais nenhuma outra solução, ou então quando for o próprio deficiente visual a pedir ajuda.

Assim sendo, Impõem-se então à adopção de medidas mais audazes, tais como: usar sistemas de orientação por voz.

O funcionamento destes sistemas é muito simples, e ao mesmo tempo útil.

Temos várias soluções no mercado, e em todas elas, o sistema é constituído por dois tipos de equipamentos. Uma unidade fixa, e uma unidade móvel.

A unidade fixa é usada para gravar as mensagens que pretendemos que a pessoa receba.

A unidade móvel anda com o deficiente visual.

Assim, a pessoa quando estiver perto de uma unidade fixa, vai receber a mensagem que foi previamente gravada.

Estes sistemas têm imenso potencial.

Imaginem que num centro comercial, existe uma unidade fixa à porta de cada loja.

Uma pessoa cega, com uma unidade móvel, era informada quando estivesse perto da loja e consequentemente da unidade fixa.

Inclusive, até podemos regular o raio de acção da unidade fixa. Podemos ter situações em que interesse que a unidade móvel receba a mensagem a vários metros de distância, ou então pode dar-se o caso de ser benéfico que a informação seja recebida só quando o utilizador estiver a um ou dois metros da unidade fixa.

Uma outra característica muito importante, e que alguns sistemas de orientação por voz contemplam, é uma bússola falante.

Para os cegos este instrumento pode vir a revelar-se de uma extrema utilidade. Imaginemos que à entrada de um edifício, temos uma unidade fixa que nos diz que para norte é a praça da alimentação, para nordeste os sanitários, e para sul outras lojas. Com a bússola, e ao saber destas coordenadas, a pessoa cega sabe facilmente para que lado tem de caminhar. Para os utilizadores de cão-guia, esta ferramenta é absolutamente extraordinária.

Uma das coisas que o cão não conhece é obviamente o percurso, a não ser que o memorize. Então com este sistema que dá as coordenadas à pessoa cega, basta transmiti-las ao animal, e consegue uma autonomia quase que total.

Conheço muito bem por dentro um sistema de orientação por voz que reúne todas as características anteriormente mencionadas, no caso o Guio Soled Step, e só vos digo que estou extremamente entusiasmado com os testes que fiz, e tenho a certeza que trata-se de uma ferramenta que vai revolucionar a mobilidade dos deficientes visuais.

As principais vantagens destes sistemas, é que são relativamente baratos, cumprem muito bem a sua função, podem ser facilmente actualizados, porque é muito fácil gravar novas mensagens nas unidades fixas, e não necessitam de manutenção.

Para terem uma ideia, uma unidade base poderá custar sensivelmente 100 euros, o que para uma grande superfície, deixem que vos diga, trata-se de um valor irrisório.

Pretendo falar-vos agora das dificuldades sentidas pelos amblíopes, que são as pessoas com baixa visão.

E é justo que falemos deles, porque infelizmente eles têm sido injusta e incompreensivelmente esquecidos, pela queles que projectam os edifícios.

E embora não pareça, a ambliopia traz associadas várias dificuldades funcionais.

Temos desde logo uma diferença substancial entre uma pessoa com visão limitada, e outra sem visão.

Enquanto uma pessoa cega está imediatamente sinalizada, ou através da bengala, do cão guia ou acompanhante, um amblíope não demonstra à primeira vista as dificuldades que tem.

É muito frequente vermos alguém com visão reduzida encostar as coisas aos seus olhos, apresentar dificuldade em conseguir por exemplo ver os preços e as características dos artigos, pura e simplesmente não conseguir ler um papel e ao pedir ajuda ser mal interpretado, e muitas outras situações que acontecem diariamente a quem tem uma deficiência visual, que não é detectável ao primeiro contacto.

Por forma a minorar essas dificuldades, existem várias medidas que podem ser tomadas.

Desde logo, garantir que as informações estejam num tamanho de caracteres bem visível.

Apesar de esta poder ser considerada uma medida óbvia, infelizmente tenho de dizer que à muito pouco cuidado quando se criam as máquinas de senhas e os respectivos painéis que são usados nas filas do atendimento, quando se colocam os preços e as características dos produtos nas respectivas prateleiras e quando se afixam outro tipo de informações.

Toda e qualquer sinalética deve ser bem legível, com letras grandes e simples, e onde se garanta um contraste cromático forte entre o sinal e a parede, e entre as letras e o fundo do sinal.

A localização da sinalética deve ser uniforme, por exemplo, sempre do mesmo lado da porta.

Aqui, não existe consenso à cerca do local a onde ela deve estar.

No entanto, creio que a solução que trará menos riscos passa por a colocar no lado do puxador da porta.
Porque nesta situação, não corremos o risco de ficar presos atrás da porta, se alguém a tentar abrir enquanto estamos a ler.

Aceito que se possa dizer que estamos mais sujeitos a levar com a porta na cara. Mas se virmos bem, num edifício que cumpra as regras de acessibilidade, as portas ao fundo do corredor não ficam no meio. É criado mais espaço no lado do puxador, para permitir a circulação de cadeiras de rodas por exemplo, e então podemos aproveitar esse espaço para ali colocar o sinal.

Não nos podemos esquecer que ao ajudarmos as pessoas com baixa visão, estamos também a ajudar todos os restantes concidadãos que têm visão normal.

No que diz respeito à luminosidade, devem ser tidos em conta os seguintes aspectos.

É importante garantir que o edifício apresenta uma luminosidade uniforme e sem sombras fortes.

Alguns amblíopes não conseguem distinguir uma sombra de um objecto.

Este facto, condiciona a mobilidade da pessoa no edifício, porque a induz em erro. O amblíope como não tem a certeza se o que está a ver é uma sombra ou um objecto, vai caminhar com medo, e também irá ter a tendência de andar aos ziguezagues pelo corredor, confundindo até as outras pessoas, que não vão compreender porque é que o amblíope anda constantemente a desviar-se das sombras.

Outra recomendação importante.

No balcão de atendimento de um serviço público, é de todo conveniente que exista a possibilidade de aumentar a luz, quando algum amblíope precisar. Por exemplo se estiver a preencher um papel, a pessoa pode necessitar de luz adicional para se sentir mais à vontade e mais confortável.

Este problema pode resolver-se de uma forma muito simples. Basta haver um candeeiro de secretária que o funcionário possa ligar quando o utente precisar de mais luz.

Nas portas em vidro, devem ser colocadas na horizontal barras com uma cor diferente.

Isto serve para que o amblíope consiga distinguir a porta, porque se ela for lisa, a pessoa pode não conseguir ver o vidro, e bater contra ela.

Essa situação já está aliás prevista na lei.

O decreto lei 163/2006, diz que as portas e paredes com grandes superfícies envidraçadas, devem ter marcas de segurança bem visíveis, a uma altura entre 1.2 a 1.5 Metros.

Porém, aquilo que eu defendo e que em minha opinião configura uma atitude mais consentânea com as boas práticas, é um pouco mais exigente e ambicioso.

Proponho 3 marcas com alturas diferentes.

Uma ao nível dos olhos de um adulto, entre 1.6 a 1.7 Metros.

Outra mais baixa, ao nível dos olhos de uma criança, ou de pessoas em cadeira de rodas, com uma altura que pode variar entre os 85 Centímetros e 1 Metro.

E finalmente, defendo a colocação de uma outra marca junto ao chão.

É que existem muitas pessoas que caminham sempre a olhar para o chão, e precisam também de um contraste cromático com a finalidade de chamar a sua atenção para a porta de vidro.

Uma outra barreira que tantas vezes provoca lesões aos cegos e amblíopes, são as cabines telefónicas com os orelhões em vidro.

Os amblíopes ficariam muito satisfeitos se em cada um desses orelhões houvesse uma marca no rebordo, com uma cor contrastante.

E os cegos ficariam igualmente felizes se o vidro se prolongasse até ao chão, para assim poder ser detectado com a bengala.

Como alternativa, o suporte em metal podia fazer uma curva na base, e projectar-se à mesma distância do vidro. Dessa forma, a bengala ao invés de tocar no vidro tocava na base, e mais importante evitava que a pessoa cega pudesse dar ali um encontrão.

Aliás, este princípio que agora defendi para os orelhões, aplica-se a todos os objectos que estão na rua. Para as pessoas cegas, é muito perigoso quando existem obstáculos a meia altura. Como eles não são detectáveis através da Bengala, o cego vai bater neles pela certa. Assim, todos os obstáculos que estão nos passeios devem ter a base até ao chão, para que a pessoa lhe possa bater com a bengala.

Uma outra barreira que pode ser muito perigosa para amblíopes e cegos, são as escadas.

É verdade que uma pessoa cega ao fazer a técnica correcta deverá detectar a escada. Mas mesmo assim, pode haver uma falha, e ela não ser identificada. Mas para os amblíopes que regra geral não usam bengala, o risco de acidente ainda é maior.

A fim de evitar possíveis quedas, devem ser tidos em conta os seguintes 4 itens:

Assinalar a presença de escadas com uma mudança de piso.

Esta situação já está aliás prevista na lei, através do decreto lei 123/97. Existem no mercado, diversos materiais que possibilitam a criação de pavimentos tácteis. Nos interiores, a borracha é um dos materiais mais aconselhados, mas os arquitectos têm liberdade para escolher outro tipo de material.

Se esta boa prática for seguida, a pessoa vai a caminhar, e quando sentir com os pés que o piso mudou, fica imediatamente alerta para o que vem a seguir.

O rebordo das escadas deverá ser assinalado igualmente com um contraste cromático.

Essa situação já está prevista com o decreto lei 163/2006.

Este contraste é relativamente fácil de criar. Defendo a utilização de material antiderrapante, que aumenta e beneficia a segurança de todos.

É igualmente importante que o corrimão nos guie por todo o comprimento da escada.

Por vezes temos casos em que ele acaba antes do fim da escada, e a pessoa que se vai a guiar, pensa que os degraus terminaram e pode obviamente tropeçar.

Deve ser sempre possível andar em contacto com o corrimão, os suportes que saiam da parede ou do chão, não devem obrigar a pessoa a retirar a mão.

Se uma escada tiver um ou mais patamares, o corrimão deverá prologar-se pelos mesmos encaminhando a pessoa até ao próximo lanço de escadas.

Finalmente, quero falar das escadas rolantes.

Regra geral, as pessoas cegas movimentam-se bem neste tipo de escadas. O piso que as antecede é diferente, e basta a pessoa ir atenta ao corrimão e percebe quando é que a escada começa e quando acaba.

No entanto, alguns centros comerciais, designadamente os da Sonae, teimam em utilizar uns postes que nos dificultam a mobilidade.

Primeiro, estes postes não são facilmente vistos pelos amblíopes, que não tão poucas vezes como isso chocam contra eles. E em segundo, os cegos, ao se aperceberem que estão próximos de uma escada rolante, não utilizam a técnica dos dois toques, e arriscam-se também a bater contra os postes.

A Acapo já protestou junto da Sonae, mas até ver ainda não os conseguimos convencer.

O problema é que eles advogam que estes postes impedem que as pessoas circulem com os carrinhos de compras, ou os carrinhos de bebé, e assim segundo eles este sistema evita os acidentes.

Mas também já aconteceu as pessoas ficarem sem um dedo, sem cabelo ou sofrerem outro tipo de lesões. São acidentes que sucedem fruto da sua negligência. Seguindo a linha de raciocínio dos responsáveis pelos centros comerciais da Sonae, teriam mesmo de desactivar por completo as escadas rolantes, para não haverem acidentes!

Felizmente que não conhecemos outros centros comerciais com estes postes nas escadas, esperemos que não pegue moda, e que entretanto quem de direito corrija o que em nossa opinião está mal feito.

Os elevadores é outro problema para os indivíduos cegos, e também em parte para os amblíopes.

A primeira dificuldade que encontramos, é logo o facto de muitas vezes os botões do elevador não estarem etiquetados em Braille. Apesar de isso já ser obrigatório, muitos edifícios ainda não cumprem a lei.

Esta falha impede a utilização do elevador por parte do cego, uma vez que cada um tem os botões expostos de maneira diferente, e é impossível saber quantos andares têm aquele edifício, e se o elevador passa ou não o rés do chão.

Outra coisa que beneficiava muito as pessoas com problemas de visão, era fazer com que o elevador avisasse em voz alta o piso que acabava de chegar.

Muitas vezes, mandamos o elevador para um determinado andar, e entretanto alguém o chama num piso inferior ao que nós pretendemos ir, e acabamos por ir parar ao sítio errado.

Ainda neste sentido, sugiro que seja colocada uma placa em Braille e caracteres ampliados com o número correspondente a cada piso, preferencialmente por cima do botão de chamada do elevador.

Isto vai permitir que a pessoa com deficiência visual tenha a certeza do número do piso em que se encontra, e nos casos onde não houver suporte de voz dentro do elevador, é mais fácil localizarmo-nos, porque sempre podemos sair fora do elevador e ver o número do andar em que estamos.

Penso que é perfeitamente possível adoptar estas duas medidas, e até legislar por forma a torná-las obrigatórias.

Por um lado, não é nada difícil instalar dentro do elevador um dispositivo que anuncie em voz alta o número do andar em que ele para.

E a colocação das placas é algo francamente simples e barato.

Uma outra boa prática que sugiro passa por identificar muito bem o comando do piso de saída.

O botão pode ser mais saliente do que os outros, ou então ter alguma coisa à volta, por exemplo um anel em borracha verde. O objectivo é que a pessoa saiba que aquele botão é único, e que está no piso de saída do edifício.

Defendo ainda que cada vez que o utilizador prima o botão de chamada do elevador, seja emitido um sinal luminoso.

Isso é útil não só para os amblíopes, mas também para toda a gente, que assim sabe que o comando de chamar foi accionado com êxito.

Por outro lado, alguns amblíopes conseguem olhar fixamente para o comando do piso onde pretendem sair, e quando a luz se apaga sabem que chegaram ao seu destino.

Uma outra dificuldade que as pessoas com problemas visuais têm, é acederem aos Caixas multibanco.

Actualmente, algumas caixas disponibilizam um menu por voz.

Quem desejar experimentar, basta introduzir o cartão, depois o código, e premir o número 5 se a caixa tiver colunas e a versão de software compatível, vai ouvir uma voz a anunciar uma série de opções.

Este sistema já tem vários anos, e hà muito que deveria ser actualizado, inclusivamente, muitas caixas ATM já nem sequer o têm disponível.

A solução passa por criar uma nova versão deste software, para melhorar o serviço prestado, que no meu ponto de vista está muito desadequado, pelas seguintes razões:

Começa logo pelo facto de não termos controlo de volume. Umas caixas falam muito baixo, outras por sua vez falam extremamente alto. Quando isso acontece, qualquer pessoa que esteja a passar ali perto, mesmo sem crer vai ficar a saber o que estamos a fazer.

Posso dar-vos um exemplo curioso e paradigmático:
A caixa diz: “Prima 1 para levantamentos em euros”. Quando carregamos no número 1, a máquina diz: “Indique a importância que pretende levantar”. E à medida que vamos digitando o número correspondente ao valor que queremos, o mesmo é reproduzido em voz alta.

Uma pessoa curiosa e sem grande esforço, fica a saber quanto dinheiro nós estamos a levantar. Convenhamos que nos tempos que correm, isso não é nada seguro. E se por causa das nossas limitações visuais, estamos mais vulneráveis, com este espectáculo todo proporcionado pelo som que sai das colunas da Caixa ATM, e com alguém mal intencionado que esteja por perto, estão reunidos todos os condimentos para que possamos ser assaltados por exemplo.

Agora imaginem outro cenário ainda mais bizarro. A pessoa não tem saldo suficiente, e a máquina em altos berros desata a gritar, dizendo que a operação não é autorizada.

Efectivamente aí já não corremos um risco tão grande de sermos violentados, mas temos de concordar que é de todo desagradável que alguém ouça a máquina a insinuar que não temos saldo disponível para realizar a operação que pretendemos!

Para resolver este problema poder-se-ia adoptar uma solução bastante simples.

Basta que as caixas contemplem um mecanismo de controlo de volume, e que suportem a entrada para auscultadores.

Também as operações que este sistema permite realizar, são no meu ponto de vista francamente escassas.

Podemos levantar dinheiro, alterar o código do cartão e aceder à opção pagamento de serviços.

O ideal seria que todas as operações estivessem acessíveis no menu de navegação por voz.

Se não for possível incluir todas, defendo nesta primeira fase a implementação dos seguintes serviços:
Acesso ao serviço MBNET que é utilizado por muitos de nós, carregamento de telemóveis, consulta de saldo e de NIB, serviço telemutibanco, transferências, e naturalmente manter as poucas operações que já se encontram disponíveis.

Uma outra sugestão que deixo, passa por incluir no chip dos cartões Multibanco um comando, que fizesse com que a máquina começasse logo a falar mal a pessoa cega introduza o seu cartão.

Naturalmente, teria de ser o cliente a pedir ao banco que introduzisse esta funcionalidade no seu cartão, porque a generalidade dos clientes não precisaria deste serviço.

Ainda relacionado com o chamado dinheiro de plástico, falo-vos agora dos terminais de pagamento automático, disponíveis nas superfícies comerciais.

Esta é uma questão aparentemente mais complexa. Actualmente, a pessoa cega passa o cartão para a mão do caixa, este introduz o valor a pagar, e aqui é que reside o problema fulcral. O cego não tem como confirmar o valor introduzido pelo funcionário.

A solução que me parece mais viável, passa por dotar os terminais Multibanco com um sistema de voz, que nos dissesse o valor em causa. Tecnicamente, desconheço se os terminais actuais suportariam esta funcionalidade. O que sei é que temos no mercado relógios falantes que custam menos de 10 euros, o que me leva a crer que este tipo de tecnologia não será assim tão cara.

É que neste caso, não estamos apenas a falar da boa fé do assistente de caixa, temos também de contar com algum engano da sua parte, que mesmo involuntário pode prejudicar seriamente o cliente. Basta considerarmos a hipótese de o funcionário acrescentar um 0 ao valor a pagar.

Ainda ninguém se preocupou muito com este problema, e em minha opinião é uma questão que devia merecer mais empenho por parte de nós todos.

Alguns poderão afirmar que se o valor for anunciado em voz alta, quebra um pouco a confidencialidade do cliente.

Discordo deste ponto de vista, por duas razões.

A primeira, o funcionário só accionava o sistema de voz, se o cliente o solicitasse.

E em segundo, este argumento da quebra de confidencialidade é muito relativo, porque o caixa já diz quanto é que temos de pagar, e quem está ao lado houve à mesma, e também o volume do terminal nunca podia ser muito elevado, porque se tratam de máquinas com altofalantes muito pequenos.

Posto isto, pretendo agora falar-vos de outro problema, que são as filas de espera para o atendimento numa repartição pública.

E aqui temos logo as máquinas de senhas, que representam um grande problema para as pessoas com deficiência visual.

A primeira dificuldade que nos aparece é encontrar a máquina.

De seguida, temos outro problema que é o facto de não conseguirmos ver o número da senha que nos calhou.

E finalmente, em muitas repartições públicas, ainda não se adoptou a boa prática de avisar através de uma informação sonora o número que está a ser atendido.

Nos casos em que essa informação é acedida apenas visualmente, nem sequer os amblíopes conseguem ler os dígitos que passam no painel.

Para resolver este problema proponho a adopção das seguintes medidas:

Ao chegar à repartição, a pessoa com deficiência visual procurava a máquina das senhas, e cada uma teria um botão maior, devidamente identificado em Braille e caracteres ampliados, que ao ser accionado emitia um sinal sonoro ou luminoso.

A ideia é que esse sinal sirva para alertar o funcionário responsável, que viria ao encontro da pessoa cega a fim de a auxiliar a tirar a senha, e posteriormente indicar-lhe o caminho para o balcão que lhe for destinado.

Na repartição haveria um sistema áudio que informava o número das senhas que estavam a ser chamadas, e o respectivo balcão a onde a pessoa se tinha de dirigir. Este sistema é relativamente simples de ser aplicado.

Ele já está disponível em bastantes repartições e instituições, e se virmos bem, trata-se de uma questão de justiça. Porque se os normovisuais conseguem ver no painel os números das senhas, é justo que quem não vê também possa ter acesso a essa informação.

Quando tecnicamente não for possível implementar este sistema, o funcionário deverá anunciar em voz alta o número da senha que vai ser atendida.

Estas medidas que ora enuncio, são fundamentais para promover a autonomia das pessoas cegas e amblíopes.

Apesar de termos o direito ao atendimento prioritário, em muitas repartições públicas é obrigatório tirar a senha para a fila da prioridade, e obviamente os problemas para os cegos mantêm-se à mesma.

Como nota final, queria que ficasse presente a ideia, que todas as medidas e sugestões que eu abordei nesta minha apresentação, visam claramente a integração, e nunca a segregação.

E este aspecto é muitíssimo importante. Tenho de dizer que muitas vezes perdemos o nosso precioso tempo a inventar pseudo soluções, que pese embora serem criadas com toda a boa fé e empenho, ou estão descontextualizadas em relação à especificidade da deficiência visual, ou pior do que isso, são medidas altamente discriminatórias, fazendo passar a ideia que os deficientes visuais precisam de coisas especiais.

De uma vez por todas à que acabar com este mito. O que precisamos é de adaptar os espaços e serviços, e não de criar novos, a fim de serem usados apenas pelos cegos.

Não faltam exemplos de casos, em que até se quis construir um percurso especial para que os alunos com deficiência visual, fossem da paragem do autocarro até à escola.

Se isto não fosse um assunto sério, figuraria bem num qualquer anedotário. Mas infelizmente este não é caso único. E em vez de tornarmos o passeio acessível a toda a gente, eliminando as barreiras que possam impedir a circulação das pessoas independentemente da sua deficiência, defende-se a criação de um percurso para uso exclusivo das pessoas cegas.

Não é assim que caminhamos para uma sociedade verdadeiramente inclusiva!

Sempre que possível, defendo claramente o desenho universal. Porque ao criar os espaços e serviços acessíveis a todos, estamos a adoptar uma solução muito mais fácil, económica, integradora e até humana.

E é com esta ideia que vos deixo. Porque só assim podemos criar condições para que a plena integração social, profissional e cultural dos deficientes deixe de ser uma miragem, e ao invés, seja antes a realização de um sonho.


FONTE: http://www.lerparaver.com/

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